
O Divino
Espírito Santo.
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JESUS
PERANTE PILATOS E HERODES
1. Jesus é conduzido a Pilatos
Conduziram Jesus, entre muitas crueldades, da casa de Caifás
à de Pilatos, através do trecho mais populoso da cidade, que
nessa ocasião formigava de peregrinos de toda a parte do
país, além de uma multidão de estrangeiros. O cortejo
dirigiu-se para o norte, descendo do Monte Sião,
atravessando uma rua estreita, no fundo do Templo, até o
palácio e o tribunal de Pilatos, que estava situado na
esquina noroeste do Templo, defronte do grande Fórum ou
mercado.
Caifás e Anás e grande número de membros do Supremo
Conselho iam em vestes e festivais, à frente do cortejo;
atrás dele, alguns servos traziam rolos de escritura.
Seguiam-se-lhes muitos outros escribas e judeus, entre eles
as falsas testemunhas e os assanhados fariseus, que foram os
que mais se empenharam em acusar ao Senhor. A uma pequena
distância, seguia nosso bom Senhor Jesus, conduzido pelos
soldados com as cordas, cercado de soldados e dos seis
agentes que estavam presentes no ato da prisão. De todos os
lados afluiu o populacho, unindo-se com gritos e zombarias
ao cortejo; ao longo de todo o caminho esperavam numerosos
grupos de gente de povo.
Jesus estava vestido apenas de sua túnica, toda
suja de escarro e imundície. Do pescoço pendia-Lhe até os
joelhos a longa corrente, de largos anéis, que, ao andar,
Lhe batia dolorosamente de encontro aos joelhos. Tinha as
mãos amarradas como na véspera e quatro soldados
conduziam-no pelas cordas, que lhe saiam do cinturão. Estava
todo desfigurado pelas crueldades, com que o haviam
torturado durante a noite; andava cambaleando, cabelo e
barba em desalinho, o rosto pálido, inchado e cheio de
manchas escuras, causadas pelos socos. Impeliam-no com
pancadas e injúrias.
Tinham
instigado a muitos do populacho para escarnecê-lo,
imitando-lhe a entrada triunfal no Domingo de Ramos.
Aclamavam-no com todos os títulos de rei, em tom de mofa
(gozação),
jogavam-lhe diante dos pés pedras, pedaços de madeira, paus,
trapos sujos e zombavam, em versos e motejos, de sua entrada
festiva. Os soldados conduziam-no aos arrancos, sobre os
obstáculos jogados no caminho; era uma crueldade sem fim.
Não muito longe da casa de Caifás estava a dolorosa
e santa Mãe de Jesus, com Madalena e João, encostados ao
canto de um edifício, esperando a aproximação do cortejo.
A alma de Maria estava sempre com Jesus, mas
quando podia ficar também corporalmente perto dELe, não lhe
dava descanso o amor, impelindo-a a seguir-Lhe o caminho e
as pegadas. Depois da visita noturna ao tribunal de Caifás,
ficara só pouco tempo no Cenáculo, entregue à muda dor;
pois, quando Jesus foi tirado do cárcere, de madrugada, para
ser apresentado ao tribunal, a Virgem SS. se levantou,
cobriu-se com o manto e véu e saindo, disse a João e
Madalena: “Sigamos meu Filho à casa de Pilatos, quero vê-lo
com meus olhos”. Dando uma volta, chegaram assim em frente
do cortejo; a SS. Virgem parara neste lugar e os outros com
ela.
A
santa Mãe de Jesus sabia bem o que era feito do divino
Filho, que Lhe estava sempre ante os olhos da alma; mas com
o olhar interior não O podia ver tão desfigurado e
maltratado como na realidade estava, pela maldade e
crueldade dos homens. De fato via-Lhe sempre os horríveis
sofrimentos, mais inteiramente penetrados pela luz da
santidade, do amor e da paciência, da vontade que se
oferecia vítima pelos homens. Mas nesse momento se lhe
apresentou à vista a realidade terrível e ignominiosa.
Passaram diante dela os orgulhosos e assanhados inimigos de
Jesus, os sumos sacerdotes do verdadeiro Deus, nas vestes
santas de gala; passaram com a intenção deicida,
representantes da malícia, mentira e maldição.
Os
sacerdotes de Deus haviam-se tornado sacerdotes de Satanás.
Que aspecto horrível! Depois o tumulto e a alegria dos
judeus, todos os perjuros inimigos e acusadores e afinal
Jesus, Filho de Deus e do Homem, seu filho, horrivelmente
desfigurado e maltratado, amarrado, batido, empurrado,
cambaleando mais do que andando, arrastado pelas cordas por
cruéis carrascos, no meio de uma nuvem de injúrias e
maldições. Aí, se ele não fosse o mais pobrezinho, o mais
desamparado, o único que se conservava calmo, a rezar
no íntimo do coração, cheio de amor, no meio dessa
tempestade do inferno desencadeado, a angustiada Mãe não O
teria reconhecido, naquele estado, horrivelmente
desfigurado.
Quando
se aproximou, vestido da túnica tão suja, a Virgem
Santíssima exclamou, soluçando: “Ai de mim! É esse meu
filho? Ai! É mesmo meu filho, oh! Jesus, meu Jesus!” O
cortejo passou-lhe em frente; o Senhor volveu a cabeça para
aquele lado, lançando um olhar comovente à sua Mãe e ela
perdeu os sentidos. João e Madalena levaram-na dali, mas
logo que voltou a si, fez-se conduzir por João ao palácio de
Pilatos.
Jesus
tinha de suportar, também nesse caminho, que os amigos nos
abandonam na desgraça; pois os habitantes de Ofel estavam
todos reunidos num certo lugar do caminho e quando viram
Jesus tão humilhado e desfigurado, entre os soldados, levado
com injúrias e maus tratos, ficaram também abalados na fé;
não podiam imaginar o rei, o profeta, o Messias, o Filho de
Deus em tão miserável estado. Os fariseus, ao passar, ainda
zombaram deles, por causa da afeição que dedicavam a Jesus:
“Eis o vosso rei, saudai-O; agora deixais pender a cabeça,
agora que Ele vai para a coroação e dentro em pouco subirá
ao trono! Acabaram-se-Lhe os milagres, o sumo sacerdote
deu-Lhe cabo do feitiço, etc”.
Aquela boa gente, que vira tantas curas milagrosas e
recebera tantas graças de Jesus, ficou abalada na fé,
pelo horrível espetáculo que lhe apresentavam as pessoas
mais santas do país, o sumo sacerdote e o Sinédrio. Os
melhores elementos retiraram-se duvidosos, os piores
juntaram-se ao cortejo como podiam; pois a passagem em
várias ruas estava impedida por guardas dos fariseus, para
evitar qualquer tumulto.
2. O palácio de Pilatos e os arredores.
Ao pé
do ângulo noroeste do monte do Templo está
situado o palácio do governador romano, Pilatos, em lugar
bastante alto; sobe-se uma escada de mármore de muitos
degraus, de onde a vista domina uma vasta praça de mercado,
cercada de colunas, sob as quais há acomodações para
vendedores. Um posto de guarda de quatro entradas, ao oeste,
norte, leste e sul, (onde está o palácio de Pilatos,)
interrompem essas arcadas do mercado, o qual também é
chamado “fórum” e se estende para oeste, além do ângulo
noroeste do monte do Templo; desse ponto do fórum pode-se
avistar o Monte Sião.
O
fórum é um pouco mais elevado de que as ruas circunvizinhas,
que sobem um pouco, até chegar às portas de entrada do
edifício; em várias partes se encostam as casas das ruas
vizinhas ao extremo da coluna que cerca o fórum. O palácio
de Pilatos não está contíguo ao fórum, mas é separado desse
por um espaçoso pátio. Esse pátio tem como porta, a leste,
uma alta arcada, que abre diretamente para a rua que conduz
à porta das Ovelhas, pela qual passa quem vai ao monte das
Oliveiras; a oeste, tem como porta outra arcada, que abre
para oriental da cidade e conduz a Sião, através do bairro
de Acra.
Da escada do palácio de Pilatos se avista, no
norte, através do pátio, o fórum, em cuja entrada há um
pórtico e alguns assentos de pedra, virados para o palácio.
Os sacerdotes judeus, dirigindo-se ao tribunal de Pilatos,
não iam além desses assentos, para não se contaminarem; o
limite que não deviam ultrapassar, estava marcado por uma
linha traçada sobre o pavimento do pátio. Perto da arcada da
porta oriental do palácio, já dentro do recinto do fórum,
havia um grande posto de guarda, que, confinando ao norte
com o fórum e ao sul com a arcada da porta do pretório de
Pilatos, formava uma espécie de vestíbulo ou adro entre o
foro e o pretório.
Chamava-se pretório a parte do palácio de Pilatos onde ele
pronunciava os julgamentos. O posto de guarda era rodeado de
colunatas e tinha no centro um pátio sem teto, sob este se
achavam os cárceres, nos quais também os dois ladrões
estavam presos. Em toda parte se viam lá soldados romanos.
Não longe do posto da guarda, perto das arcadas que o
cercavam, estava no fórum a coluna de flagelação; havia
ainda outras colunas no recinto do mercado: as que estavam
mais perto, serviam para infligir castigos corporais, as que
estavam mais longe, para amarrar o gado à venda.
Em
frente ao posto de guarda, mesmo no fórum, se subia por uma
escadaria a um estrado, construído de pedras e bem
ladrilhado, em que havia assentos de pedra; parecia-se com
um tribunal público; desse lugar, que era chamado Gabata,
pronunciava Pilatos as sentenças. A escada de mármore do
palácio de Pilatos conduzia a um terraço aberto, do qual ele
falava aos acusadores, sentados nos bancos de pedra
defronte, próximo à entrada do fórum. Falando alto, podia-se
fazer entender com facilidade.
Atrás do palácio há ainda outro terraço mais
elevado, com jardins e um caramanchão. Esses jardins formam
a comunicação entre o palácio de Pilatos e a casa da esposa,
Cláudia Prócula. Por trás desses edifícios há ainda um
fosso, que os separa do monte do Templo; além deste há ainda
casas de empregados do Templo.
Contígua à parte oriental do palácio de Pilatos,
está a casa do conselho do tribunal do velho Herodes, em
cujo pátio interno foram mortas muitas crianças inocentes.
Fizeram depois algumas mudanças; a entrada é agora pelo lado
oriental; há também uma entrada para Pilatos, no vestíbulo
do palácio.
Desse lado da cidade partem quatro ruas em direção
ao oeste: três conduzem ao palácio de Pilatos e ao Fórum; a
quarta, porém, passa ao lado norte do fórum, em direção à
porta que conduz a Betsur. Nesta rua, perto da porta, se
acha o belo edifício que Lázaro possui em Jerusalém e no
qual também Marta tem uma habitação própria.
Das quatro ruas, a que fica mais perto do Templo,
vem da porta das Ovelhas, perto qual, quando se entra, à
direita, se acha a piscina das ovelhas; essa fica tão perto
do muro da cidade, que nesse se encostam arcadas, que formam
uma abóbada sobre as águas. Ela tem um escoadouro, fora do
muro, para o vale do Josafá, o que faz com que o solo, por
fora da porta, fique encharcado.
Em
redor dessa piscina há ainda outros edifícios; é nessa
piscina que se lavam os cordeiros pela primeira vez, antes
de serem levados ao sacrifício no Templo; mais tarde são
lavados outra vez e solenemente, na piscina de Betsaida, ao
sul do Templo. Na segunda rua há uma casa com pátio, que
pertencia a Sant’ Ana, Mãe de Maria, onde ela e a família
moravam e guardavam os animais para os sacrifícios, quando
vinham a Jerusalém. Se me lembro bem, foi também nessa casa
que foram celebradas as núpcias de José e Maria.
O Fórum, como já dissemos, fica mais alto do que as
ruas circunvizinhas e a água corre pelos regos das ruas,
para a piscina das Ovelhas. Na encosta do monte Sião há
também um fórum semelhante, diante do antigo castelo de
Davi; ali perto, ao sudeste, se acha o Cenáculo e ao norte,
o tribunal de Anás e Caifás. O Castelo de Davi é agora um
forte abandonado e deserto, com pátios, estábulos e salas
vazias, que se alugam como albergaria e caravanas e aos
estrangeiros e seus animais de carga. Esse edifício já há
muito que está abandonado; já o vi nesse estado na época do
nascimento de Cristo; nessa ocasião o séqüito dos Reis
Magos, com numerosos animais de carga, foi conduzido para
lá, logo ao entrar na cidade.
3. Jesus perante Pilatos
Eram talvez seis horas da manhã, segundo o nosso
modo de contar, quando a comitiva dos sumos sacerdotes e dos
fariseus, com o nosso Salvador, horrivelmente maltratado,
chegou ao palácio de Pilatos.
Entre
o mercado e a entrada do tribunal havia assentos em ambos os
lados do caminho, onde se divertiam Anás e Caifás, e os
conselheiros que os acompanhavam. Jesus foi conduzido alguns
passos adiante, até a escada de Pilatos, pelos soldados, que
o seguravam pelas cordas. Quando lá chegaram, estava Pilatos
deitado sobre uma espécie de leito, na sacada do terraço;
tinha ao lado uma mezinha de três pés, em que se viam
algumas insígnias de sua dignidade e outros objetos, dos
quais não me lembro mais. Cercavam-no oficiais e soldados,
que também tinham colocado lá insígnias do poder romano. Os
sumos sacerdotes e judeus ficaram afastados do tribunal,
porque, aproximando-se mais, se teriam contaminado; segundo
a lei havia um certo limite, que não transgrediam.
Quando Pilatos os viu chegar tão apressados, com
tanto tumulto e gritaria, conduzindo Jesus maltratado,
levantou-se e falou em tom tão cheio de desprezo, como
talvez algum orgulhoso marechal francês falaria aos
deputados de uma cidadezinha: “O que vindes fazer tão cedo?
Como pusestes este homem em tão mísero estado? Começais cedo
a esfolar e matar”. Eles porém, gritaram ao soldados:
“Adiante! Levai-O ao tribunal”. Depois se dirigiram a
Pilatos: “Escutai as nossas acusações contra este criminoso;
não podemos entrar no tribunal, para não nos tornarmos
impuros”.
Depois de exclamarem essas palavras, gritou um
homem da estatura alta e forte e figura venerável, no meio
do povo apinhado atrás deles no fórum: “É verdade, não
podeis entrar neste tribunal, pois está santificado por
sangue inocente; só Ele pode entrar, só Ele entre os judeus
é puro como os inocentes.”
Assim
dizendo, profundamente comovido, desapareceu na multidão.
Chamava-se Sadoc; era homem abastado, primo de Obed, que era
o marido de Seráfia, também chamada Verônica; dois dos seus
filhinhos tinham sido assassinados, com as crianças
inocentes, no pátio do tribunal, por ordem de Herodes. Desde
então se tinha retirado do mundo e vivia como um Esseno, em
continência com a mulher.
Tinha
visto Jesus uma vez, em casa de Lázaro e ouvira-o explicar a
doutrina; quando viu Jesus tão cruelmente arrastado para a
escada de Pilatos, reviveu-lhe no coração a dolorosa
lembrança dos filhinhos assassinados naquele lugar e assim
deu em alta voz o testemunho da inocência do Senhor. Os
acusadores de Jesus estavam com muita pressa e irritados
demais pelo modo desdenhoso de Pilatos e a posição
humilhante em que se achavam diante dele, para dar atenção à
exclamação de Sadoc.
Os soldados puxaram Jesus pelas cordas, escada
acima, até o fundo do terraço, de onde Pilatos estava
falando aos acusadores. O procurador romano já ouvira falar
muito de Jesus. Quando O viu tão horrivelmente maltratado e
desfigurado e contudo conservando uma dignidade inabalável,
sentiu cada vez mais nojo e desprezo dos sacerdotes e
conselheiros judaicos, que lhe tinham já antes prevenido que
trariam Jesus de Nazaré, réu de morte, perante o tribunal,
fazendo-lhes sentir que não estava disposto a condená-Lo sem
culpa provada.
Disse-lhes, pois, em tom brusco e desdenhoso: “De que crime
acusais esse homem?” A que responderam irritados: “Se não O
conhecêssemos como malfeitor, não vo-Lo teríamos entregado”.
Disse-lhes Pilatos: “Pois tomai e julgai-O segundo a vossa
lei”. – “Sabeis, responderam os judeus, que não nos compete
o direito absoluto de executar uma sentença de morte”.
Os inimigos de Jesus estavam cheios de escárnio e
raiva; fizeram tudo com precipitação e violência, para
acabar com Jesus antes de começar o tempo legal da festa,
afim de poderem sacrificar o cordeiro pascal. Mas não sabiam
que Ele era o verdadeiro Cordeiro pascal, que eles mesmos
conduziam ao tribunal do juiz pagão, servidor de falsos
deuses, em cujo limiar não queriam contaminar-se, para poder
nesse dia comer o cordeiro pascal.
Como o governador os intimasse a proferir as
acusações, apresentaram três acusações principais contra
Jesus e por cada acusação depuseram 10 testemunhas.
Formularam as acusações de modo que apresentavam Jesus como
réu de crime de lesa-majestade e assim Pilatos devia
condená-lo; pois em causas que diziam respeito às leis da
religião e do Templo, poderiam eles mesmos decidir.
Primeiro acusaram Jesus de ser sedutor do povo, perturbador
do sossego público e agitador; e apresentaram algumas
provas, confirmadas por testemunhas. Disseram mais que
andava de um lugar para outro, causando grandes ajuntamentos
do povo; que violava o Sábado, curando nesse dia. Nisso
Pilatos interrompeu-os, num tom sarcástico: “Naturalmente
não estais doentes, senão estas curas não vos causariam
tanta indignação”. Eles, porém, continuaram a acusar Jesus,
dizendo que seduzia o povo com horríveis doutrinas, pois
afirmava que teriam a vida eterna os que Lhe comessem a
carne e bebessem o sangue.
–
Pilatos zangou-se, ao ver a fúria precipitada com que
proferiam essa acusação; olhou sorrindo para os seus
oficiais e dirigiu aos judeus palavras sarcásticas, como,
por exemplo: “Parece mesmo que quereis seguir-Lhe a doutrina
e possuir a vida eterna; tenho a impressão de que quereis
comer-Lhe a carne e beber-Lhe o sangue”.
A segunda acusação era que Jesus instigava o povo a
não pagar imposto ao imperador. Pilatos interrompeu-os
indignado, como homem cujo cargo era velar por essas coisas
e disse, em tom convicto de suas próprias informações: “Isto
é mentira grossa; devo sabê-lo melhor do que vós”.
– Os
judeus, porém, gritaram, apresentando a terceira acusação:
Que era mesmo verdade, esse homem, de nascimento baixo,
duvidoso e suspeito, tinha formado um partido forte e
proferido ameaças contra Jerusalém. Também propagava entre o
povo parábolas equivocas, sobre um rei que preparava as
núpcias do filho. Certa vez já uma grande multidão de povo,
reunido em uma montanha, tinha tentado proclamá-Lo Rei; mas
Ele, achando que era ainda cedo, tinha-se escondido. Nos
últimos dias tinha ousado mais: preparou uma entrada
tumultuosa em Jerusalém e fez o povo gritar: “Hosana
ao filho de Davi! Bendito seja o reino que vemos
chegar, do nosso pai Davi. Também se fazia prestar honras
régias, pois que ensinava que era Cristo, o Unigênito do
Senhor, o Messias, o rei prometido dos judeus e assim se
fazia chamar”. Também essa acusação foi confirmada pelos
depoimentos de dez testemunhas.
Quando Pilatos ouviu que Jesus se fazia chamar o
Cristo, rei dos judeus, tornou-se pensativo. Saindo da
sacada, entrou na sala contígua ao tribunal, lançando, ao
passar um olhar atento a Jesus e deu ordem à guarda de
trazê-Lo à sala do tribunal.
Pilatos era pagão supersticioso de espírito confuso
e inconstante. Conhecia as lendas obscuras de filhos de
deuses, que teriam vivido na terra; também não ignorava que
os profetas dos judeus, desde muito tempo, haviam
predito a vinda de um ungido de Deus, de um Redentor e um
libertador e que muitos judeus o estavam esperando.
Também sabia que uns reis do Oriente tinham vindo ao velho
Herodes, para pedir informações sobre um rei recém-nascido
dos judeus, a quem queriam prestar homenagens e que depois
disso, muitas crianças foram degoladas, por ordem de
Herodes.
Já
ouviram falar da promissão da vinda de um Messias, rei dos
judeus, mas como pagão que era, não o acreditava, nem podia
pensar, como os judeus instruídos e os herodianos daquele
tempo, num rei poderoso e conquistador. Tanto mais ridícula
lhe parecia por isso a acusação de que esse Jesus que estava
diante dele, tão humilhado e desfigurado, pudesse declarar
se aquele Messias, aquele rei. Como, porém, os inimigos de
Jesus apresentassem isso como crime contra os direitos do
imperador, mandou conduzir o Salvador à sua presença, para
interrogá-Lo.
Pilatos olhou para Jesus com assombro e disse-Lhe:
“És então o rei dos judeus?” – Jesus respondeu:
“Dizeis isto de ti mesmo ou foram outros que t’o disseram de
mim?” Pilatos, indignado de ver Jesus julgá-lo tão
tolo, que fosse espontaneamente perguntar a um homem tão
pobre e miserável se era rei, disse em tom desdenhoso: “Por
acaso sou judeu, para me interessar por tais misérias? Teu
povo e seus sacerdotes entregaram-Te a mim, para condenar-Te
como réu de crime capital; dize-me, pois o que fizeste”?
Respondeu-lhe Jesus, em tom solene: “O meu reino não é
deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, eu teria
servidores, que combateriam por mim, para não me deixar cair
nas mãos dos judeus; mas o meu reino não é deste mundo”.
Pilatos estremeceu, ao ouvir essas graves palavras de Jesus
e disse pensativo. “Então és mesmo rei?” – Jesus respondeu.
“É como dizes, sou rei. Nasci e vim a este mundo para
dar testemunho da verdade e todo que é da verdade, atende à
minha voz”. – Então Pilatos fitou-O e levantando-se,
disse: “Verdade? O que é a verdade?” – Faltaram-se ainda
outras palavras, das quais não me lembro bem.
Pilatos saiu outra vez para o terraço; não podia
compreender Jesus; mas sabia que não era um rei que quisesse
prejudicar ao imperador, nem era pretendente a um reino
deste mundo; o imperador, porém, não se importava com um
reino do outro mundo. Pilatos gritou, pois, da sacada aos
sumos sacerdotes: “Não acho nenhum crime neste homem”.
– os
inimigos de Jesus irritaram-se de novo e proferiram uma
torrente de acusações contra Ele. O Senhor, porém,
permanecia calado e rezava por esses pobres homens e quando
Pilatos se Lhe dirigiu, perguntando-Lhe: “Não tens nada a
responder a todas essas acusações?” Jesus não, proferiu uma
só palavra, de modo que Pilatos, surpreso, Lhe disse: “Vejo
bem que empregaram mentiras contra ti” – (em vez de mentiras
usou outra expressão, que, porém, esqueci). Os acusadores
continuavam, cheios de raiva, a acusá-Lo, dizendo: “O que?
Não achais crime nEle? Não é então crime sublevar todo o
povo, espalhar sua doutrina em todo o país, da Galiléia até
aqui?”
Quando Pilatos ouvia a palavra Galiléia, refletiu
um momento e perguntou: “Esse homem é da Galiléia, súdito de
Herodes?” os acusadores responderam: “Sim, seus pais moravam
em Nazaré e Ele tem domicilio atual em Cafarnaum”. Então
disse Pilatos: “Pois que é galileu e súdito de Herodes,
conduzi-O a este; ele está aqui na festa e pode julgá-Lo”.
Mandou conduzir Jesus outra vez do tribunal para as mãos dos
implacáveis inimigos, enviando também com eles um dos
oficiais, para entregar ao tribunal de Herodes o súdito
galileu Jesus de Nazaré. Ficou assim satisfeito de poder
livrar-se desse modo da obrigação de julgar Jesus pois essa
causa lhe era desagradável. Ao mesmo tempo tinha nisso um
fim político, queria dar uma prova de atenção a Herodes, que
sempre desejara muito ver Jesus; pois estavam em desavença.
Os inimigos de Jesus, furiosos por lhes haver
Pilatos negado a demanda e terem de ir ao tribunal de
Herodes, fizeram recair toda a raiva sobre Jesus.
Cercaram-nO de novo de soldados e, irritadíssimos,
amarraram-Lhe as mãos e com empurrões e pancadas,
conduziram-nO a toda pressa, através da multidão que se
apinhava no fórum e depois por uma rua, até o palácio de
Herodes, que não ficava muito longe. Acompanharam-nos
soldados romanos.
Cláudia Prócula, esposa de Pilatos, mandara-lhe
dizer por um cirado, durante as ultimas discussões, que
desejava falar-lhe urgentemente. Quando Jesus foi conduzido
a Herodes, estava escondida numa galeria alta, olhando com
grande angústia e tristeza para o cortejo que passava pelo
fórum.
4. Origem de Via Sacra.
Durante toda a acusação perante Pilatos, a Mãe de Jesus,
Madalena e João ficaram no meio do povo, num canto das
arcadas do fórum ouvindo com profunda dor a gritaria raivosa
dos acusadores. Quando Jesus foi conduzido a Herodes, João
voltou com a SS. Virgem e Madalena por todo o caminho da
Paixão. Foram até à casa de Caifás e a de Anás, atravessando
Ofel, até chegarem a Getsêmani, no monte das Oliveiras e em
todos os lugares onde Ele caíra ou onde lhes tinham causado
um sofrimento, paravam e em silêncio choravam e sofriam com
Ele.
Muitas
vezes a SS. Virgem se prostrava no chão, beijando a terra
onde Jesus caíra, Madalena torcia as mãos e João, chorando,
consolava-as, levantava-as e continuava com elas o caminho.
Foi esse o começo da Via Sacra e da contemplação e veneração
da Paixão de Jesus, antes mesmo que estivesse terminada.
Foi
nessa ocasião que começou, na mais santa flor da humanidade,
na Santíssima Virgem Mãe de Deus e do Filho do homem, a
devoção da Igreja às dores do Redentor; já naquele momento,
quando Jesus ainda trilhava o caminho doloroso da Paixão, a
Mãe cheia de graça venerava e regava com lágrimas as pegadas
de seu Filho e Deus. Oh! Que compaixão! Com que violência
lhe entrou a espada no coração, ferindo-o sem cessar! Ela,
cujo bem-aventurado seja O trouxera, que concebera,
acariciara e nutrira o Verbo, que era desde o
princípio com Deus e era mesmo Deus; ela, que em si
Lhe tivera e sentira a vida, antes que os homens, seus
irmãos, Lhe recebessem a bênção, a doutrina e a salvação,
ela participava de todos os sofrimentos de Jesus, inclusive
a sua sede da salvação dos homens, pela dolorosa Paixão e
Morte.
Assim
a Virgem puríssima e Imaculada inaugurou para a Igreja a Via
Sacra, para juntar em todos esses lugares os infinitos
merecimentos de Jesus Cristo, como se juntam pedras
preciosas ou colhê-los como se colhem flores à beira do
caminho e oferecê-los ao pai Celeste, por aqueles que crêem.
Tudo que tinha havido e haverá de santo na humanidade, todos
que têm almejado a salvação, todos que já uma vez celebraram
compadecidos o amor e os sofrimentos do Senhor, fizeram esse
caminho com Maria, choraram, rezaram e sacrificaram no
coração da Mãe de Jesus, que também é terna Mãe de todos os
seus irmãos, os fiéis da Igreja.
Madalena estava como que alucinada pela dor. Tinha
um imenso e santo amor a Jesus; mas quando queria verter a
alma aos pés do Salvador, como Lhe vertera o óleo de nardo
sobre a cabeça, abria-se um horrível abismo entre ela e o
Bem-Amado. O arrependimento dos pecados, como a gratidão
pelo perdão, lhe eram sem limites e quando o seu amor queria
fazer subir a ação de graças aos pés do Divino Mestre, como
uma nuvem de incenso, eis que O via maltratado e conduzido à
morte, por causa dos pecados dela, que Ele tomara sobre si.
Então
se lhe horrorizava a alma, diante de tão grande culpa, pela
qual Jesus tinha de sofrer tão horrivelmente;
precipitava-se-lhe no abismo do arrependimento, que não
podia nem exaurir, nem encher; e de novo se elevava, cheia
de amor e saudade, para seu Mestre e Senhor e via-O sofrendo
indizíveis crueldades. Assim tinha a alma cruelmente
dilacerada, vacilava entre o amor e o arrependimento, entre
a sua gratidão e a dolorosa contemplação da ingratidão do
povo para com o Redentor; todos esses sentimentos se lhe
manifestavam no rosto, nas palavras e nos movimentos.
João sofria em seu amor; conduzia a Mãe de seu
Santo Mestre e Deus, que também o amava e sofria por ele;
conduzia-a, pela primeira vez, nas pegadas da Via Sacra da
Igreja e lia-lhe na alma o futuro.
5. Pilatos e a Esposa
Enquanto Jesus era conduzido a Herodes e lá o cobriam de
insultos e escárnio, vi Pilatos ir ao encontro da esposa,
Cláudia Prócula. Encontraram-se numa pequena casa,
construída sobre um terraço do jardim, atrás do palácio de
Pilatos. Cláudia estava muito incomodada e comovida. Era
mulher alta e esbelta, mas pálida; vestia um véu, que lhe
pendia sobre as costas, contudo viam-se-lhe os cabelos,
dispostos em redor da cabeça e alguns adornos; tinha também
brincos, um colar e sobre o peito um broche, em forma de
agrafe, que lhe prendia o longo vestido de pregas. Conversou
muito, tempo com Pilatos, conjurando-o por tudo que lhe era
santo a não fazer mal a Jesus, o Profeta, o mais Santo dos
santos e contou-lhe parte das visões maravilhosas que vira,
a respeito de Jesus, durante a noite.
Enquanto ela falava, vi-lhe grande parte das visões
que tivera; mas não me lembro mais exatamente da ordem em
que se seguiram. Recordo-me todavia, que viu todos os
momentos principais da vida de Jesus; viu a Anunciação
de N. Senhora, o Nascimento de Jesus, a adoração dos
pastores e dos Reis Magos, as profecias de Simeão e Ana, a
fuga para o Egito, a matança dos inocentes, a tentação no
deserto, etc. Viu-lhe quadros da vida pública, virtudes e
milagres; viu-O sempre rodeado de luz e teve visões
horríveis do ódio e da maldade de seus inimigos; viu-Lhe os
inúmeros sofrimentos, o amor e a paciência sem limite, a
santidade e as dores de sua santa Mãe.
Para
mais fácil compreensão, eram esses quadros ilustrados com
figuras simbólicas e pela diferença de luz e sombra. Essas
visões lhe causaram indizível angústia e tristeza; pois
todas essas coisas lhe eram novas, penetraram-lhe no coração
pela verdade intuitiva; parte das visões mostraram-lhe
acontecimentos que se deram na vizinhança de sua casa, como
por exemplo a matança das crianças inocentes e a profecia
de Simeão no Templo. De minha própria experiência sei bem
quanto um coração compassivo sofre em tais visões; pois
compreende melhor os sentimentos de outrem quem já os sentiu
em si mesmo.
Ela tinha sofrido desse modo durante a noite e
visto muitas coisas maravilhosas e compreendido muitas
verdades, umas mais, outras menos claramente, quando foi
acordada pelo barulho da multidão, que conduzia a Jesus.
Quando mais tarde olhou para fora, viu o Senhor, objeto de
todas as coisas maravilhosas que vira durante a noite,
desfigurado e cruelmente maltratado pelos inimigos, que o
conduziam através do fórum, ao palácio de Herodes. Esse
espetáculo, após as visões da noite, encheu-lhe o coração de
angústia e terror. Mandou imediatamente chamar Pilatos, a
quem contou, com medo e pavor, muitas das coisas que vira,
porque não tinha compreendido tudo ou não o sabia exprimir
em palavras; mas pedia e suplicava e estreitava-se-lhe de um
modo tocante.
Pilatos ficou muito admirado e até sobressaltado
pelo que a esposa lhe contou, comparava-o com tudo que ouvia
cá e lá sobre Jesus, com a raiva dos judeus, com o silêncio
do Mestre e as firmes e maravilhosas respostas que lhe dera
às perguntas; ficou perturbado e inquieto; deixou-se, porém,
em pouco vencer pelas insistências da mulher e disse-lhe:
“Já declarei que não acho crime nesse homem; não O
condenarei, já percebi toda a maldade dos judeus”. Ainda
falou sobre as declarações que Jesus tinha feito contra si
mesmo e até tranqüilizou a mulher, dando-lhe um penhor, como
garantia da promessa. Não sei mais se foi uma jóia ou um
anel ou sinete que lhe deu por penhor. Assim se separaram.
Conheci Pilatos como homem confuso, ambicioso,
indeciso, orgulhoso e vil ao mesmo tempo; sem verdadeiro
temor de Deus, não recuava diante das ações mais
vergonhosas, se delas esperava qualquer lucro e ao mesmo
tempo era um vil covarde, que se entregava a toda espécie de
ridículas superstições, procurando a proteção dos deuses,
quando se achava em situação difícil. Vi-o também nessa
ocasião muito perturbado; estava continuamente diante dos
deuses, aos quais oferecia incenso, numa sala secreta da
casa e dos quais pedia sinais.
Também
esperava outros sinais supersticiosos, por exemplo,
observava como comiam as galinhas; mas todas essas coisas
pareciam tão horríveis, tenebrosas e infernais, que recuei
tremendo de horror e não as posso mais contar exatamente.
Tinha ele as idéias confusas e o demônio sugeria-lhe ora
uma, ora outra coisa. Primeiro opinou que devia soltar
Jesus, por ser inocente; depois pensou que os deuses se
vingariam, se salvasse Jesus; pois havia estranhos sinais e
declarações, que provavam ser o Nazareno um semideus, e
sendo assim, podia fazer muito mal aos deuses.
“Talvez”, disse consigo, “seja uma espécie de Deus dos
judeus, que deve reinar sobre tudo; alguns reis dos
adoradores dos astros, vindos do oriente, já vieram uma vez
a Jerusalém, procurar tal rei; talvez este pudesse elevar-Se
acima dos deuses e do imperador e eu teria uma grande
responsabilidade, se Ele não morresse. Talvez a sua morte
seja o triunfo dos meus deuses”. Mas depois se recordou dos
sonhos maravilhosos da mulher, que antes nunca vira Jesus e
isso lançou um grande peso na balança oscilante de Pilatos,
em favor da libertação do Mestre e decidiu-se de fato nesse
sentido.
Queria
ser justo; mas não o podia, porque tinha perguntado: “O que
é a verdade?” e não esperava a resposta: “Jesus
Nazareno, o rei dos judeus, é a verdade”. Havia
tanta confusão nos pensamentos do Procurador romano, que eu
não o podia compreender e ele mesmo também não sabia o que
queria; senão certamente não teria consultado as galinhas.
Juntava-se no entanto cada vez mais no mercado e na
vizinhança da rua pela qual Jesus fora conduzido a Herodes.
Havia, porém, uma certa ordem, pois o povo reunia-se em
certos grupos, segundo as cidades ou regiões donde vieram à
festa. Os fariseus mais encarniçados de todas as regiões
onde Jesus tinha ensinado, estavam com os patrícios,
esforçando-se por excitar contra Jesus o povo instável e
perplexo. Os soldados romanos estavam reunidos em grande
número no posto de guarda, diante do palácio de Pilatos,
outros tinham ocupado todos os pontos importantes da cidade.
6. Jesus perante Herodes
O
palácio do Tetrarca Herodes estava situado ao norte do
fórum, na cidade nova, não muito longe do palácio de Pilatos.
Um destacamento de soldados romanos acompanhou o cortejo, a
maior parte oriunda da região entre a Itália e a Suíça. Os
inimigos de Jesus, furiosos por ter de fazer tantas
caminhadas, não cessavam de ultrajá-lo e de fazê-lo empurrar
e arrastar pelos soldados. O mensageiro de Pilatos chegou
antes do cortejo ao palácio de Herodes, que assim, já
avisado, O esperava sentado numa espécie de trono, sobre
almofadas, numa vasta sala; rodeavam-no muitos cortesãos e
soldados.
Os
Sumos Sacerdotes entraram pelo peristilo e colocaram-se de
ambos os lados; Jesus ficou na entrada. Herodes sentiu-se
muito lisonjeado, por Pilatos tê-Lo publicamente declarado
competente, diante dos Sumos Sacerdotes, de julgar um
galileu. Mostrou-se muito importante e vaidoso; também se
regozijava de ver diante de si, em situação tão humilhante,
o famoso Mestre, que sempre tinha desdenhado
apresentar-Se-lhe.
João
falara dEle com tanta solenidade e ouvira os Herodianos e
outros espiões e mexeriqueiros falarem de Jesus, que tinha
muita curiosidade de vê-Lo; comprazia-se em sujeitá-Lo,
diante dos palacianos e dos Sumos Sacerdotes, a um prolixo
interrogatório, pelo qual queria mostrar a ambas as partes
quanto estava bem informado. Pilatos tinha-lhe também
comunicado que não achara crime em Jesus; e o hipócrita
tomou-o como aviso, para tratar os acusadores com certa
frieza, o que ainda mais lhes aumentou a raiva.
Proferiam acusações tumultuosamente, logo ao
entrarem; Herodes, porém, olhou com curiosidade para Jesus e
quando O viu tão desfigurado e maltratado, o cabelo
desgrenhado, o rosto dilacerado e coberto de sangue e
imundícies, a túnica toda suja de lama, esse rei mole e
libertino sentiu dó e nojo. Exclamou um nome de Deus que me
soou como “Jeovah”, virou o rosto, com um gesto de nojo e
disse aos sacerdotes: “Levai-O daqui, limpai-O. Como podeis
trazer à minha presença um homem tão sujo e maltratado?” Os
soldados levaram então Jesus ao átrio; trouxeram água numa
bacia e um esfregão e limparam-nO cruelmente; pois o rosto
estava ferido e passavam o esfregão com brutalidade.
Herodes repreendeu os sacerdotes, por causa dessa
crueldade e no modo de tratá-los parecia imitar Pilatos;
pois também lhe disse: “Vê-se bem que Ele caiu nas mãos de
carniceiros; começastes a imolação hoje antes da hora”. Os
sumos sacerdotes, porém, insistiam tumultuosamente nas
acusações e incriminações. Quando reconduziram Jesus à sala,
quis Herodes fingir benevolência para com Ele e mandou
trazer-Lhe um cálice de vinho, por estar muito fraco; Jesus,
porém, sacudiu a cabeça e não aceitou o vinho.
Herodes dirigiu-se então com muita verbosidade e
afabilidade, proferindo tudo que sabia dEle. A princípio Lhe
fez várias perguntas e manifestou o desejo de vê-Lo fazer um
milagre; como porém, Jesus não respondesse palavra alguma e
permanecesse com os olhos baixos, ficou Herodes irritado e
envergonhado diante dos presentes, mas não quis mostrá-lo e
continuou a fazer-Lhe uma torrente de perguntas.
Primeiro procurou lisonjeá-lo: “Sinto muito te ver tão
gravemente acusado; tenho ouvido falar muito de ti; sabes
que me ofendeste em Tirza, resgatando sem minha licença,
vários presos que eu mandara prender lá? Mas fizeste-O
talvez com boa intenção. Agora me foste entregue pelo
governador romano para te julgar; o que respondes a todas
aquelas acusações? Ficas calado?
–
Têm-me falado muito de tua sabedoria, dos teus discursos e
da tua doutrina; eu desejaria ouvir-Te refutar os teus
acusadores. – Que dizeis? – É verdade que és o rei dos
judeus? – És o Filho de Deus? – Quem, és? – Ouvi dizer que
tens feito grandes milagres, prova-o diante de mim, fazendo
um milagre. Depende de mim libertar–Te. – É verdade que
deste a vista a cegos de nascença? Ressuscitaste dos mortos
Lázaro? Saciaste vários milhares de homens com poucos pães?
Porque não respondes? – Conjuro-te a operar um dos teus
milagres. – Seria muito em teu favor”.
Como,
porém, Jesus continuasse calado, Herodes falou com
volubilidade ainda maior: “Quem és? – Como chegaste a isto?
– Quem Te deu o poder? – Porque não tens mais poder agora?
És acaso aquele de cujo nascimento se contam coisas tão
estranhas? No tempo de meu pai vieram alguns reis do oriente
e perguntaram-lhe por um recém-nascido rei dos judeus, a
quem queriam prestar homenagem; dizem que eras Tu aquele
menino; é verdade? – Escapaste da matança em que pereceram
tantas crianças? – Como foi isto? – Porque não se ouviu
falar de Ti tanto tempo? – Ou apenas dizem isto a teu
respeito para fazer-Te rei? – Justifica-Te. – Que espécie
de rei és Tu? Em verdade, não vejo em Ti nada de real. –
Como me dizem, fizeram-Te uma entrada triunfal no Templo.
Que significa isto? Fala! Como é que tudo acabou assim?”
A toda essa torrente de palavras não obteve
resposta alguma de Jesus. Foi-me explicando agora e, já há
mais tempo, que Jesus não lhe respondeu, porque Herodes foi
excomungado, tanto pelas relações adúlteras com Herodíades,
como também pelo assassínio de João Batista. Anás e Caifás
aproveitaram a indignação que lhe causou o silêncio de
Jesus, para de novo proferir as acusações. Entre outras
coisas afirmaram que Jesus tinha chamado Herodes de raposa e
que, já desde muito tempo, tinha trabalhado para a queda de
toda a família de Herodes; que queria fundar uma nova
religião e comera o cordeiro pascal no dia anterior. Essa
acusação já a tinham produzido perante Caifás, por traição
de Judas, mas fora refutado por alguns amigos de Jesus, os
quais para esse fim leram alguns trechos de rolos da
Escritura.
Herodes, ainda que irritado pelo silêncio de Jesus,
não se esqueceu dos seus interesses políticos. Não quis
condenar Jesus; pois Este lhe inspirava um terror secreto e
já era torturado de remorsos, por causa da morte de João
Batista; também odiava os sumos sacerdotes, porque não
tinham querido desculpar-lhe o adultério e o haviam excluído
dos sacrifícios pelo mesmo motivo. Mas o motivo principal
era que não queria condenar aquele a quem Pilatos declarara
inocente; convinha-lhe aos interesses políticos aplaudir a
opinião de Pilatos, diante dos príncipes dos sacerdotes. A
Jesus, porém, cobriu de desprezo e insultos; disse aos
criados e guardas, dos quais contava uns duzentos no
palácio. “Levai para fora este tolo e prestai a este rei
ridículo as honras que se Lhe devem; pois é mais um doido do
que um criminoso”.
Conduziram então o Salvador a um vasto pátio, onde
o cobriram de escárnio e indizíveis crueldades. Esse pátio
estendia-se por entre as alas do palácio e Herodes, de pé
num terraço, assistiu por algum tempo a esse espetáculo
cruel. Anás e Caifás, porém, andavam sempre atrás dele e
procuravam por todos os meios movê-lo a condenar Jesus; mas
Herodes disse-lhes, de modo que os romanos da escolta o
ouvissem: “Seria um crime de minha parte, se O condenasse”.
Queria certamente dizer: “Seria um crime contra a sentença
de Pilatos, que teve a gentileza de mandá-Lo a mim”.
Vendo que não conseguiam nada de Herodes, os sumos
sacerdotes e os inimigos de Jesus enviaram alguns dos seus,
com dinheiro, a Acra, bairro da cidade onde se achavam nessa
ocasião muitos fariseus, aos quais mandaram dizer que
fossem, com os respectivos partidários, às vizinhanças do
palácio de Pilatos; fizeram também distribuir entre o
povo muito dinheiro, para levá-lo a pedir
tumultuosamente a morte de Jesus. Outros emissários deviam
ameaçar o povo com castigos de Deus, se não conseguisse a
morte desse blasfemador sacrílego; também mandaram espalhar
entre o povo que se Jesus não morresse, se ligaria aos
romanos e seria esse o reino de que sempre falara; e então
seriam aniquilados os judeus.
Em
outra parte espalharam o boato de que Herodes condenara
Jesus, mas esperava que o povo manifestasse sua vontade;
receava-se a resistência dos adeptos do Nazareno e se esse
fosse solto, seria perturbada toda a festa; pois então Ele,
com seus partidários e os romanos, tirariam vingança. Desse
modo fizeram espalhar os boatos mais contraditórios e
assustadores, para irritar e sublevar o povo, enquanto
outros emissários deram dinheiro aos soldados de Herodes,
afim de que maltratassem gravemente a Jesus, mesmo até O
fazer morrer, pois antes desejavam que morresse do que
Pilatos O soltasse.
Enquanto os fariseus estavam ocupados nesses
negócios e intrigas, sofreu Nosso Senhor o escárnio e a
brutalidade mais ignominiosa da soldadesca ímpia e
grosseira, à qual Herodes O tinha entregue, para ser
maltratado, como tolo que não lhe quisera responder.
Empurraram-nO para o pátio e um deles trouxe um comprido
saco branco, que achara no quarto do porteiro e em que,
havia tempos, viera uma remessa de algodão. Cortaram com as
espadas um buraco no fundo do saco e meteram-nO por entre
grandes gargalhadas, sobre a cabeça de Jesus; outro trouxe
um farrapo vermelho e pôs-Lhe em redor do pescoço, como um
colar; o saco caia-Lhe sobre os pés.
Então se inclinavam diante dEle, empurravam-nO e
entre ditos insultantes, cuspiam e batiam-Lhe no rosto,
porque não tinha respondido ao rei e prestavam-Lhe outras
mil homenagens escarnecedoras; atirava-Lhe lama, davam-Lhe
arrancos, como para fazê-lo dançar; depois o fizeram cair
com o longo manto derrisório e arrastaram-nO por um esgoto
que passava no pátio, ao longo dos edifícios, de modo que a
cabeça sagrada do Salvador batia de encontro ás colunas e
pedras angulares; depois O levaram e começaram as crueldades
de novo. – havia lá cerca de duzentos soldados e servidores
do palácio de Herodes, gente de todas as regiões e cada um
dos mais perversos queria fazer honra a seu país e
distinguir-se diante de Herodes, inventando um novo ultraje
para Jesus.
Faziam
tudo precipitadamente, empurrando-se uns aos outros, entre
escárnios; os inimigos de Jesus tinham pago dinheiro a
alguns deles, que no tumulto Lhe deram diversas
pauladas na santa cabeça. Jesus fitava-os com os olhos
suplicantes, suspirando e gemendo de dor; mas zombavam dele,
imitando-Lhe os gemidos; a cada nova brutalidade rompiam em
gargalhadas e insultos, não haviam nenhum que Lhe mostrasse
piedade. Tinha a cabeça toda banhada em sangue e vi-O cair
três vezes, sob as pauladas, mas vi também uma aparição como
de Anjos, que, chorando, desceram sobre Ele e lhe ungiram a
cabeça. Foi-me revelado que sem esse auxílio de Deus, as
pauladas teriam sido mortais. Os filisteus, que fizeram o
cego Sansão correr na Pista de Gaza, até cair morto de
cansaço, não foram tão violentos e cruéis como esses
perversos.
Urgia o tempo para os Sumos Sacerdotes, porque em
pouco deviam ir ao Templo e quando receberam aviso de que
todas as suas ordens tinham sido cumpridas, insistiram mais
uma vez com Herodes, pedindo-lhe que condenasse Jesus. Mas o
tetrarca tinha em vista apenas suas relações com Pilatos e
mandou reconduzir-lhe Jesus, vestido do manto derrisório.
Fonte: Extraído do Livro
"Vida, Paixão e Glorificação do Cordeiro de Deus - Anna
Catharina Emmerich - Ed. MIR.
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