
A
ASSISTÊNCIA À MISSA FONTE DE SANTIFICAÇÃO

O Divino
Espírito Santo.
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Pe. Reginald Garrigou-Lagrange, O. P.
A santificação de nossa alma se encontra em uma união, cada
dia, mais íntima com Deus, união de fé, de confiança e de
amor.
Por
isso um dos maiores meios de santificação é o ato mais
elevado da virtude de religião e do culto cristão: a
participação no sacrifício da Missa.
Para
toda alma interior, a Missa deve ser, cada manhã, como a
fonte eminente, de onde derivam todas as graças de que temos
necessidade durante o curso do dia, fonte de luz e de calor,
semelhante na ordem espiritual, ao que é o nascer do sol na
ordem da natureza.
Depois
da noite e do sono que são como uma imagem da morte, o sol
reaparecendo cada manhã, dá de alguma maneira, vida a tudo o
que acorda na superfície da terra. Se conhecêssemos
profundamente o preço da missa quotidiana, veríamos que ela
é como um nascer do sol espiritual, para renovar, conservar
e aumentar em nós a vida da graça, que é a vida eterna
começada.
Mas
muitas vezes o hábito de assistir a missa, por falta
de espírito de fé, degenera em rotina e não
recebemos mais então do santo sacrifício todos os frutos que
deveríamos receber.
Este então deveria ser o maior ato de nossos dias e na vida
de um cristão, sobretudo de um religioso, todos os outros
atos quotidianos só deveriam ser o acompanhamento daquele,
ou seja, todas as outras orações e pequenos sacrifícios que
devemos oferecer ao Senhor durante o dia.
Lembremos aqui:
1º. O
que dá valor ao sacrifício da missa;
2º.
Qual é a relação de seus efeitos com nossas disposições
interiores,
3º.
Como devemos nos unir ao sacrifício eucarístico.
A oblação sempre viva do coração do cristo
A
excelência do sacrifício da Missa vem, diz o Concílio de
Trento [1], do fato de ser o mesmo sacrifício em
substância que o sacrifício da Cruz, porque é o mesmo
sacerdote que continua atualmente a se oferecer por seus
ministros, é a mesma vítima, realmente presente no altar,
que é realmente ofertada; só difere a maneira de oferecer:
enquanto há na Cruz uma imolação cruenta, na Missa há uma
imolação sacramental pela separação, não física, mas
sacramental do corpo e do sangue do Salvador, em virtude da
dupla consagração. Assim o sangue de Jesus sem ser
fisicamente derramado é sacramentalmente derramado
[2].
Esta
imolação sacramental é um sinal [3] da oblação interior de
Jesus, à qual devemos nos unir; é também o memorial da
imolação cruenta do Calvário. Apesar dela ser somente
sacramental, esta imolação do Verbo de Deus feito carne, é
mais expressiva do que a imolação cruenta do cordeiro pascal
e de todas as vítimas do Antigo Testamento.
Um
sinal tira, com efeito, seu valor expressivo da grandeza da
coisa significada; a bandeira que nos lembra a pátria, de
tecido comum, tem maior preço a nossos olhos do que a
flâmula de uma companhia ou do que a insígnia de um oficial.
A imolação cruenta das vítimas do Antigo Testamento, figura
longínqua do sacrifício da Cruz, exprimia somente os
sentimentos interiores dos sacerdotes e dos fieis da antiga
Lei; enquanto que a imolação sacramental do Salvador
sobre nossos altares exprime, sobretudo, a oblação interior
sempre viva do coração do “Cristo que não cessa de
interceder por nós” (Hb. 7, 25).
Ora,
essa oblação que é como a alma do sacrifício da Missa, tem
um valor infinito, que emana da pessoa divina do Verbo feito
carne, sacerdote principal e vítima, cuja imolação continua
sob uma forma sacramental.
São
João Crisóstomo escreveu: “Quando virem no altar o
ministro sagrado elevando para o céu a santa hóstia, não
creiam que este homem seja o verdadeiro padre (principal),
mas, elevando o pensamento acima daquilo que atinge os
sentidos, considerem a mão de Jesus Cristo invisivelmente
estendida” [4].
O
padre que vemos com nossos olhos de carne não pode penetrar
em toda a profundeza desse mistério, mas acima dele está a
inteligência e a vontade de Jesus sacerdote principal.
Apesar do ministro não ser sempre o que deveria ser o
sacerdote principal é infinitamente santo; o ministro, mesmo
quando é bom, pode estar ligeiramente distraído ou ocupado
com as cerimônias exteriores do sacrifício, sem penetrar no
sentido íntimo, mas acima dele há alguém de um valor
infinito, uma súplica e uma ação de graças sem limite de
tamanho.
Esta
oblação interior sempre viva no coração do Cristo é, por
assim dizer, a alma do sacrifício da Missa. É a
continuação daquela pela qual Jesus se ofereceu como vítima
entrando neste mundo e em todo o curso de sua existência
terrestre, sobretudo na Cruz. Quando o Salvador
estava sobre a terra, essa oblação era meritória; agora
continua sem essa modalidade de mérito. Continua sob a forma
de adoração reparadora e de súplica, para nos aplicar os
méritos passados da Cruz.
Mesmo
quando a última Missa acabar no fim do mundo e que não
houver mais sacrifício propriamente dito, mas sua
consumação, a oblação interior do Cristo para seu Pai
durará, não mais sob a forma de reparação e de súplica, mas
sob a forma de adoração e de ação de graças. É o que nos faz
prever o Sanctus, Sanctus, Sanctus, que dá uma idéia do
culto dos bem-aventurados na eternidade.
Se nos
fosse dado a conhecer, imediatamente, o amor que inspira
esta oblação interior, que dura sem cessar no coração do
Cristo, “sempre vivo para interceder por nós”,
qual não seria nossa admiração!
A
Bem-aventurada Ângela de Foligno nos diz [5]: “Não
tenho um vago pensamento, mas a certeza absoluta que, se uma
alma visse e contemplasse algum dos esplendores íntimos do
sacramento do altar, incendiaria, pois veria o amor divino.
Parece-me que aqueles que oferecem o sacrifício, ou que nele
tomam parte, deveriam meditar profundamente sobre a verdade
profunda do mistério três vezes santo, na contemplação do
qual deveríamos permanecer imóveis e absorvidos”.
Os efeitos do sacrifício da missa e nossas disposições
interiores.
A oblação interior do Cristo Jesus, que é a Alma do
sacrifício eucarístico, tem os mesmos fins e os mesmos
efeitos que o sacrifício da Cruz,
mas
importa distinguir, entre esses efeitos, aqueles que são
relativos a Deus e os que nos concernem.
Os
efeitos da Missa imediatamente relativos a Deus, como a
adoração reparadora e a ação de graças, se produzem sempre
infalivelmente e plenamente com seu valor infinito, mesmos
sem nosso concurso, mesmo que a Missa seja celebrada por um
ministro indigno, desde que seja válida. De cada Missa se
eleva, então, para Deus uma adoração e uma ação de graças de
um valor sem limites, em razão da dignidade do Sacerdote
principal que oferece e do preço da vítima ofertada. Esta
oblação “agrada mais a Deus do que todos os pecados
reunidos lhe desgostam”; é isso que constitui a
própria essência do mistério da Redenção por modo de
satisfação [6].
Quanto aos efeitos da Missa, relativos a nós, só nos são
dispensados na medida de nossas disposições interiores.
É
assim que a Missa, como sacrifício propiciatório, obtém
ex opere operato, para os pecadores que não resistem à
graça atual que os leva a se arrependerem e que os inspira a
confessar suas faltas [7]. As palavras do Agnus Dei, qui
tollis peccata mundi, parce nobis Domine, produzem
nesses pecadores que não põem obstáculos aos sentimentos de
contrição, o que o sacrifício da Cruz produziu na alma
do bom ladrão. Trata-se aqui, sobretudo, dos
pecadores que assistem a Missa ou daqueles por quem ela é
dita.
O
sacrifício da Missa, como satisfatório, apaga também,
infalivelmente aos pecadores arrependidos, ao menos uma
parte da pena temporal devida pelo pecado e isso em
proporção às disposições mais ou menos perfeitas com as
quais a assistem. É por isso que o Concílio de Trento diz
que o sacrifício eucarístico pode ser oferecido também pelo
sufrágio das almas do purgatório [8].
Enfim como sacrifício impetratório ou de Súplica,
a Missa nos obtém ex opere operato todas as graças
que temos necessidade para nos santificar. É a grande oração
do Cristo sempre vivo que continua para nós, acompanhado da
oração da Igreja, Esposa do Salvador. O efeito desta dupla
oração é proporcionado ao nosso fervor e aquele que se uni o
melhor que pode, está certo de obter para ele e para aqueles
que lhes são caros, as mais abundantes graças.
Segundo Santo Tomas e muitos teólogos, esses efeitos
da Missa relativos a nós são limitados apenas pela medida de
nosso fervor [9]. A razão é que a influência de uma
causa universal só é limitada pela capacidade dos sujeitos
que a recebem. Assim o sol clareia e aquece em um só lugar
tanto mil pessoas como a uma só.
Ora o sacrifício da Missa, sendo substancialmente o mesmo
que o da Cruz é,
por
modo de reparação e de oração, uma causa universal de
graças, de luz, de atração e de força. Sua influência sobre
nós só é, pois, limitada pelas disposições ou pelo
fervor daqueles que a recebem. Assim uma única missa
será tão proveitosa para um grande número de pessoas como se
fosse oferecida para uma só entre elas; assim como o
sacrifício da Cruz rendeu ao bom ladrão tanto proveito
quanto teria rendido se oferecido por ele só.
Se o
sol aquece, em um só lugar, mil pessoas como a uma, a
influência desta fonte de calor espiritual que é a Missa não
é menor em sua ordem. Quanto mais se assiste a Missa
com fé, confiança, religião e amor, maiores serão os frutos
que dela se retira.
Tudo isso nos mostra porque os santos, à luz dos dons do
Espírito Santo, sempre tanto apreciaram o Sacrifício da
Missa. Alguns, ainda que enfermos e doentes, queriam se
arrastar até a missa, porque ela vale mais do que todos os
tesouros.
Santa
Joana d’Arc, indo para Chinon, importunava seus companheiros
de armas e obtinha deles, a força de insistência, que
assistissem a missa todos os dias.
Santa
Germana Cousin era fortemente atraída para a Igreja quando
escutava o sino anunciar o santo sacrifício, deixava suas
ovelhas na guarda dos anjos e corria para assistir a missa;
seu rebanho era bem guardado.
O
santo Cura d’Ars falava do valor da Missa com tal convicção,
que tinha obtido que todos ou quase todos os seus
paroquianos a assistissem.
Inúmeros outros santos derramavam lágrimas de amor ou caíam
em êxtase durante o sacrifício eucarístico; alguns viram no
lugar do celebrante o próprio Nosso Senhor, o Sacerdote
principal. Outros, na elevação do cálice, viram o precioso
sangue transbordar, escorrendo pelos braços do padre e pelo
santuário e anjos virem recolhê-lo em taças de ouro como
para levá-lo por toda parte onde houvesse homens para
salvar. São Felipe de Néri recebeu graças desse gênero e se
escondia para celebrar por causa dos arrebatamentos, que
muitas vezes, era tomado no altar.
Como nos unir ao sacrifício eucarístico?
Pode-se aplicar a isso o que Santo Tomás [10] diz sobre a
atenção na oração vocal: “A atenção pode estar ou bem
nas palavras para bem pronunciá-las, ou no sentido das
palavras, ou no fim da oração, quer dizer em Deus e naquilo
pelo que se reza... Esta ultima atenção, que os mais
humildes, sem cultura podem ter, é algumas vezes tão grande
que é como se o espírito fosse elevado para Deus e se
esquecesse de todo o resto”.
Assim
também para bem assistir a missa, com fé, confiança,
verdadeira piedade e amor, podemos segui-la de maneiras
diferentes. Podemos estar atentos às preces litúrgicas,
geralmente tão belas e tão cheias de unção, de elevação e de
simplicidade. Podemos lembrar a Paixão e a Morte do
Salvador, cuja missa é o memorial e se considerar como
estando ao pé da Cruz com Maria, João, as santas mulheres.
Podemos ainda nos aplicar a render a Deus, em união com
Jesus, os quatro deveres que são os fins do Sacrifício:
adoração, reparação, pedido e ação de graças
[11].
Desde
que se reze, mesmo recitando piedosamente seu terço,
assistimos com frutos à missa. Podemos também com grande
proveito, como santa Joana de Chantal e muitos santos,
continuar com a sua oração, sobre tudo se somos levados a um
puro e intenso amor, um pouco como são João na Ceia
repousando sobre o Coração de Jesus.
Mas de
qualquer maneira que se siga a Missa, é preciso insistir em
uma coisa importante. É preciso sobretudo nos unirmos
profundamente à oblação do Salvador, o sacerdote principal:
com ele, é preciso oferecê-lo a seu Pai, nos lembrando que
esta oblação agrada mais a Deus do que todos os pecados lhe
desagradam. É preciso nos oferecer, cada dia, mais
profundamente, oferecer particularmente as penas e
contrariedades que costumamos ter e aquelas que se
apresentarão durante o dia.
É
assim que no ofertório o padre diz: “In spiritu
humilitatis et in animo contrito suscipiamur a te, Domine:
É com espírito de humildade e coração contrito que vos
pedimos Senhor, de nos receber”.
O
autor da Imitação, I. IV, cap. VIII, insiste com razão sobre
este ponto: O Senhor diz: “ Como me ofereci
voluntariamente a meu Pai por vossos pecados, na cruz...,
assim deveis todos os dias, no sacrifício da Missa, vos
oferecer a mim, como uma hóstia pura e santa, do mais
profundo do vosso coração... É a vos que eu quero e não
vossos dons... Se permanecerdes em vós mesmos, se não vos
abandonardes sem reserva a minha vontade, vossa oblação não
será completa e não estaremos unidos perfeitamente”.
No
capítulo seguinte, o fiel responde: “Na simplicidade
de meu coração, eu me ofereço a vós meu Deus, para vos
servir para sempre... Recebei-me com a oblação santa de
vosso precioso Corpo... Ofereço-vos também tudo o que há de
bom em mim, por mais imperfeito que seja, para que vós a
torne mais digna de vós. Ofereço-vos ainda todos os piedosos
desejos das almas fiéis, a oração por aqueles que me são
queridos... A súplica por aqueles que me ofenderam ou
entristeceram, por aqueles também que eu mesmo afligi, feri,
escandalizei, sabendo ou não, afim de que nos perdoeis todas
nossas ofensas mútuas... e fazei que sejamos dignos de gozar
aqui na terra dos vossos dons e alcançar a vida eterna.”
A
missa assim compreendida é uma fonte fecunda de
santificação, de graças sempre renovadas; por ela pode-se
realizar cada vez melhor para nós a oração do Salvador:
“Dei-lhes a luz que vós me destes, para que sejam um como
nós somos um, Eu neles e vós em mim, afim de que eles sejam
perfeitamente um e que o mundo saiba que vós me enviastes e
que vós os amastes como vós me amais” (João, 17,
23).
A
visita ao Santíssimo Sacramento deve nos recordar a missa da
manhã e devemos pensar que no Tabernáculo, se não há
sacrifício propriamente dito, que cessa com a missa, no
entanto Jesus realmente presente continua a adorar, orar e
render graças.
Deveríamos nos unir a essa oblação do Salvador a qualquer
hora do dia. Como diz a oração do Coração Eucarístico:
“Ele é paciente a nos esperar, apressado em nos atender;
é a sede de todas as graças sempre renovadas, o refúgio da
vida escondida, o mestre dos segredos da união divina”.
Devemos junto ao Tabernáculo, “calar-nos para escutar,
e abandonar-nos para nele nos perder” [12].
Originalmente publicado em “La Vie Spirituel” nº 187,
1.04.1935
Notas:
[1] Sessão XXII,cap.I e II
[2] Do mesmo modo a humanidade do Salvador fica
numericamente a mesma, mas depois de sua ressurreição ela é
impassível,, enquanto que antes estava sujeita à dor e à
morte.
[3] “Sacrificium externum est in genere signi, ut signum
interioris sacrificii”.
[4] Homl.LX ao povo de Antioquia
[5] Livro de suas visões e instruções, cap. LXVII.
[6] Cf. S. Tomas, IIIa, q. 48, ª2: “Ille proprie satisfacit
pro offensa, qui exhibet offenso id quod aeque vel magis
diligit, quam oderit offensam”.
[7] Cf. Concilio de Trento, sess. XXII, c. II: “Hujus quippe
oblationeplacatus Dominus, gratiam et domum paenitenciae
concedens, crimina et peccat etiam ingentia dimittit”.
[8] Ibidem
[9] Cf. S. Tomas, III ª q,79, a. 5 et 7 ad 2um, onde não há
outro limite indicadoa são ser aquele da medida de nossa
devoção “secundum quantitatem seu modum devotionis eorum”
(id est: fidelium). Cajetan, In IIIum, q. 79, a. 5. João de
Santo Tomas, In IIIum, disp.32, a. 3. Gonet, Clypeus... De
Eucaristia, disp. II, a. 5. no. 100. Salmanticenses, de
Eucaristia, disp. XIII, dub. VI. Nós nos separamos
completamente do que escreveu sobre este assunto P.dela
Taille, Esquisse du mystere de la foi, Paris, 1924, p.22.
[10] IIa IIae, q. 82, a.13.
[11] A primeira parte da missa até o ofertório nos inspira
sentimentos de penitencia e contrição (confiteor, Kyrie
eleison), de adoração e de reconhecimento (Gloria in
excelsis), de súplica (Colleta), de fé viva (Epitre,
Evangile, Credo), para nos preparar para o oferecimento da
santa Vitima, seguida da comunhão e da ação de graças.
[12] Recomendamos, para ler durante a visita ao Santíssimo
Sacramento ou para meditar como assunto de oração, Les
elevations sur laPriere au Coeur Eucharistique de Jesus, que
foram publicadas pela primeira vez em 1926, Editions de
laVie Spirituelle
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